sábado, 9 de maio de 2009

Seus genes estão nas suas mãos?


A resposta, segundo uma nova área da ciência chamada epigenética, é um impactante sim. Ela revela que os hábitos podem influenciar a atividade dos genes que predispõem a doenças - o que faz toda a diferença para viver mais e melhor



Há mais coisas entre o seu código genético e o seu destino do que sonhavam os cientistas. Antes, eles achavam que um determinaria o outro em matéria de saúde. Mas um ramo recente da biologia, a epigenética, comprova em detalhes por que o vigor ou os problemas que o futuro lhe reserva não devem ser encarados apenas como mérito ou culpa do que está escrito em seu DNA. Seus pesquisadores desvendam como a alimentação, o estresse, a prática de exercícios ou o tabagismo são capazes de influenciar o comportamento dos genes para o bem e para o mal. Para ilustrar essas descobertas, basta recorrer a um estudo recém-concluído na Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos.

Os médicos recrutaram 30 pacientes com câncer de próstata em estágio inicial e os submeteram por três meses a um programa que incluía dieta rica em vegetais e pobre em gorduras, exercícios moderados, técnicas de controle do estresse e participação em grupos de apoio. Logo em seguida veio a constatação por meio de moderníssimos exames de DNA: essas medidas diminuíram a atividade de genes ligados ao surgimento de tumores e aumentaram a ação daqueles envolvidos na capacidade do organismo de enfrentá-los. O que ajudou (e muito) a brecar a evolução do problema. O que a epigenética faz, em resumo, é enxergar ao pé da letra o resultado dos nossos hábitos no interior de cada célula. Ali dentro esteja ela no cérebro ou no pé existe a receita completa de um indivíduo. Essa fórmula única é o seu material genético, o DNA. O que pode variar é a leitura dessa receita algumas células lêem os trechos que determinam como devem funcionar os neurônios e atuam como tal; outras decifram a parte necessária para executar as funções de uma célula de pele. E assim por diante.

Na receita também existem genes ligados a doenças e genes relacionados à capacidade de resistir aos males. Se são ou se não são lidos direito é o que determina quando as células de um órgão funcionarão bem ou serão um estorvo, dando origem a um câncer. Agora os cientistas notam que existem fenômenos bioquímicos batizados de epigenéticos e intimamente associados aos hábitos. Eles não chegam a alterar a seqüência do DNA, esclarece a biomédica Miriam Jasiulionis, da Universidade Federal de São Paulo. No entanto, o jeito como você vive pode, sim, destacar determinadas linhas, aumentando as chances de que se expressem. Ou fazer o contrário.


Os pesquisadores vasculham como a má alimentação ou o tabagismo metem o bedelho nos pedacinhos do DNA, reforçando a ameaça de doenças para as quais já temos tendência. A boa notícia é que, em tese, dá para reparar os prejuízos de uma vida desregrada. Os mecanismos epigenéticos são reversíveis, conta a farmacêutica Cláudia Rainho, da Universidade Estadual Paulista, em Botucatu, no interior de São Paulo. Ou seja, se você adotar um estilo de vida mais saudável, será bem possível que alguns trechos nada agradáveis do seu DNA caiam no esquecimento.

Afinal, como uma mudança de hábito é capaz de se intrometer na atividade de um gene? A resposta é pura química. Diversas moléculas, resultantes do próprio trabalho do corpo e do que a gente come, por exemplo, são capazes de grudar em uma porção do código genético. Entre essas figuras, destaca-se de longe o metil. Ele seria comparável a uma espécie de chave que consegue ligar ou desligar um gene, num fenômeno conhecido como metilação do DNA. Cerca de 60% dos nossos genes são passíveis de mecanismos assim, isto é, podem ser acionados ou inativados pelo metil, calcula Giseli Klassen, professora de patologia da Universidade Federal do Paraná. Para aplacar sua ansiedade: algumas peças-chave da célebre vida saudável, como o reles costume de comer brócolis ou cereais, incrementa a produção do bendito metil.

A dúvida cruel é por que, se você come a porção de brócolis, por exemplo, as reações podem afetar positivamente um naco do DNA do seu fígado e, ao mesmo tempo, não se envolver com o mesmíssimo pedaço de DNA lá na cabeça.

Assim como esses mecanismos podem se diferenciar de órgão para órgão, como se tivessem poder de decisão próprio, eles variam de pessoa para pessoa. Até que ponto, então, o aparecimento de uma doença é resultado da receita que a gente carrega de berço ou de fenômenos bioquímicos disparados pelos hábitos? Não sabemos ainda, responde Rafael Linden, professor do Instituto de Biofísica da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Mas é certo que ambos entram no jogo. E que as refeições podem ser grandes ou péssimas fornecedoras de chaves para mexer com genes destrambelhados.


Algumas substâncias encontradas nos alimentos transferem os compostos metil para o DNA, controlando a expressão de um gene, afirma a bióloga Lusânia Antunes, da Universidade de São Paulo, em Ribeirão Preto.

Ao se incorporar num gene que favoreça o surgimento de um tumor, é como se esse metil o rendesse e o mantivesse caladinho. Mas há perguntas no ar: será que, da mesma forma que ele silencia um gene do mal, poderia calar um gene benéfico, responsável por uma função interessante à célula? Em suma, será que o metil sempre escolhe o alvo certo? Apesar de questionamentos assim, já se presume que alguns nutrientes contribuam de maneira favorável. Pesquisadores suspeitam de que a prática de exercícios físicos também ajude a deixar os genes em forma, por assim dizer.

É como se eles sentissem o resultado de aulas de musculação, corridas ou passeios de bicicleta freqüentes. Na contramão, surgem provas de que os hábitos nocivos enlouquecem a maquinaria do DNA. O cigarro e o excesso de álcool estão associados a alterações epigenéticas indesejáveis, conta Miriam Jasiulionis. Além disso, já se sabe que a fumaceira não só mexe com o comportamento dos genes mas também provoca mutações neles no caso, defeitos que ficam para sempre. Não é por acaso que os tabagistas têm mais câncer. A doença mais investigada pela epigenética, claro, é o câncer.

As células normais e as tumorais apresentam um padrão de genes ativados e desativados diferente entre si, explica a bióloga Anamaria Camargo, do Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer. Os genes que controlam a proliferação celular geralmente ficam desativados nos exemplares doentes, conta a oncologista Mariângela Corrêa, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo. E, enquanto estão impedidos de trabalhar, outros que fazem exatamente o oposto, ou seja, incentivam a desordem e deveriam ficar inertes os oncogenes estão ativados. Nas células saudáveis, vê-se o contrário: os genes supressores, que regulam a multiplicação, estão ativos, e os oncogenes, desligados. Para que todas as células continuem assim, firmes e fortes, a melhor estratégia é investir no estilo de vida é o que têm provado os primeiros estudos com seres humanos.


E não pense que as medidas saudáveis, incluindo desde um cardápio balanceado até uma rotina com menos estresse, limitam-se ao seu exclusivo bem-estar. Surgem indícios cada vez mais contundentes de que a maneira como você leva a vida seria transmitida para os genes dos seus filhos. Uma questão muito debatida é quanto se transmite dessa herança, conta Lygia Pereira, professora de genética humana da Universidade de São Paulo. Mas como isso aconteceria? Bem, nesse aspecto, mistérios ainda pairam.

Até porque na fecundação, quando há a união do espermatozóide e do óvulo, uma cópia do DNA da mãe se acopla à do pai e, em meio a esse casamento, quase todo o material genético perde aquelas chaves, as metilações, que ligavam e desligavam os genes. Formam-se novas metilações durante o desenvolvimento do embrião, diz Cláudia Rainho. No entanto, uma pequena parcela dos genes herdados não sofre essa queima de arquivo e, assim, carrega totalmente a sua herança.

Deduz-se, assim, que quem viveu longe de cigarros e outras drogas, apostou na malhação e não se esqueceu de frutas e verduras no prato, entre outros ingredientes saudáveis, irá presentear seus filhos com uma bagagem genética de primeira, menos predisposta a doenças. Já quem não se cuidou pode transmitir não só as alterações epigenéticas indesejáveis como também mutações aqueles defeitos permanentes ao embrião. E estas são indiscutivelmente mais herdadas, diz a biomédica brasileira Mariana Brait, da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos. Ou seja, o modo como você vive hoje faz toda a diferença para o futuro do seu corpo e provavelmente para o de seus descendentes também.

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