Vale a pena só cortar calorias?
Essa é uma boa estratégia para perder peso. Mas a longo prazo a história é outra
Gordura, proteína ou carboidrato:
na hora de emagrecer, é melhor eliminar o quê? Tanto faz. Eis a resposta de um estudo da Escola de Saúde Pública da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, que comparou, durante dois anos, o desempenho dos nutrientes na batalha pela perda de peso de 811 gordinhos. No final das contas, independentemente do tipo de alimento mandado para escanteio, todos se livraram de 4 quilos. Ou seja, para afi nar a silhueta, basta restringir a quantidade calórica, não importa o item excluído.
Mas, se pensarmos bem, a conclusão abre alas a duas interpretações. A primeira é que as dietas da moda que preconizam um nutriente em detrimento de outros não têm tanto fundamento. E a segunda brota na cabeça dos espertinhos: se o que vale é comer menos, vamos nos entregar ao fast food, só que em porções modestas.
Será, então, que as escolhas do que comemos, desde que com igual valor calórico, não fazem diferença? Pode apostar que fazem. E o efeito, caro leitor, você talvez não sinta agora, mas lá na frente. “Qualquer dieta com baixa ingestão de calorias emagrece em curto prazo. O problema é que, se a alimentação não for saudável, o prejuízo vem depois”, afirma a nutricionista Ana Maria Pita Lottenberg, do Hospital das Clínicas de São Paulo. Prejuízo inclusive em termos de emagrecimento.
Ninguém discorda de que, no caso de quem luta contra o ponteiro da balança, a restrição calórica em si já traz benefícios. “Perder 10% do peso inicial diminui o risco cardiovascular”, diz a nutricionista Mariana Del Bosco, da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica. E isso nem significa fechar completamente a boca. Há uma fórmula usada pela Organização Mundial da Saúde que estima a quantidade de calorias necessárias a cada um diariamente. De acordo com ela, um homem sedentário de 40 anos e 90 quilos, por exemplo, deve se abastecer com até 2 300 calorias diárias.
Agora imagine que o nosso personagem está acima do peso. “Para emagrecer com segurança, recomenda-se cortar em média 500 calorias diárias, o que resultaria em cerca de meio quilo a menos por semana”, esclarece Mariana. Das refeições, o homem do nosso exemplo deveria retirar algo equivalente a um filé grelhado, um ovo frito, um copo de refrigerante e um bombom. Assim, ele se limitaria a 1 800 calorias. A questão é que o corpo dele — e o nosso — não depende apenas dos números. Não adianta preencher a cota diária só com pastéis naquela visita ao bar com os amigos. Ao virar a página, você vai entender por que, desse jeito, ele se tornaria uma pessoa com apetite incontrolável.
Uma descoberta de cientistas da Universidade Estadual de Campinas, no interior de São Paulo, reforça a ideia de que, mesmo enxugando calorias, é preciso estar ciente da escolha dos nutrientes. Eles estudaram o impacto da gordura saturada das carnes vermelhas (e dos benditos pastéis) sobre o hipotálamo, área do cérebro que, entre tantas funções, controla a saciedade. E desvendaram um mecanismo capaz de explicar por que apostar nesse ácido graxo é um prato cheio para a obesidade. Eis a triste constatação: gordura chama gordura.
A dieta adequada é a que, segundo a boa e velha pirâmide alimentar, dispõe de 30% de gorduras em geral. “E a fatia das saturadas não deve ultrapassar 10% de todo o cardápio”, orienta a nutricionista Marciane Milanski, uma das cientistas envolvidas no estudo.
Pessoas que se empanturram de carnes, manteiga e frituras ou até mesmo aquelas que comem porções mais humildes, mas recheadas do tal ingrediente, acabam inevitavelmente extrapolando essa cota de 10%. E a sobrecarga não é inócua para o hipotálamo. “Em excesso, o nutriente dispara inflamações ali”, conta Marciane. “Quando fogem do controle, essas reações propiciam a morte de neurônios, prejudicando o controle sobre o apetite”, completa a bióloga Juliana Moraes, que também avalia o efeito das saturadas sobre a massa cinzenta. Aí não tem volta. O sujeito passa a conviver com uma fome difícil de ser aplacada.
Juliana fez um experimento para avaliar se apenas altas cargas de gordura saturada financiariam lesões na central do apetite. Ela submeteu dois grupos de ratos a refeições bem engorduradas. O primeiro apreciou porções razoáveis de comida, sem exagerar tanto. Já o segundo devorou um banquete pesado, sem limite de quantidade. “Mas quando analisamos o hipotálamo dos animais, notamos alterações em ambos os grupos”, revela. Ou seja, a quantidade não fez tanta diferença. É um indício de que seres humanos que priorizam dietas carregadas desse ácido graxo tendem a sofrer as consequências no futuro — e nem é necessário se esbaldar com um caminhão de gorduras. Basta cortar calorias e preferir alimentos gordurosos para aproveitar o que tem direito a comer.
Como a comunicação entre o hipotálamo e o resto do corpo fica comprometida, a vontade de comer de quem sofreu essas lesões não cessa. “Essa região do cérebro envia estímulos para a periferia, disparando, por exemplo, aquela salivação”, explica a biomédica Cássia Zaia, da Universidade Estadual de Londrina, no Paraná. Com água na boca, vai ser difícil resistir a mais um pedaço de picanha — ou seja lá o que for.
As pesquisadoras da Unicamp enfatizam em coro que, sem exageros, o organismo não se tornará refém dos malefícios da gordura. Aliás, ele até precisa delas para preservar a membrana das células. O que você não deve é conceder a qualquer nutriente exclusividade no cardápio. No máximo, papel de coadjuvante. Viver à base de proteína, por exemplo, até acelera a perda de peso nos primeiros meses. Mas e depois? “O abuso do nutriente está associado, a longo prazo, à sobrecarga dos rins”, adverte Durval Ribas Filho, presidente da Associação Brasileira de Nutrologia.
A mesma mensagem é destinada aos fiéis seguidores do carboidrato. A pessoa com padrão formiga, que come muitos doces de olho apenas nas calorias, cai numa emboscada. Esse tipo de alimento, em exagero, destrambelha os mecanismos que regulam o hormônio insulina. “Passado um período, o indivíduo fica mais predisposto ao ganho de peso e, consequentemente, ao desenvolvimento do diabete tipo 2”, afirma o endocrinologista Marcio Mancini, médico responsável pelo Grupo de Obesidade e Síndrome Metabólica do Hospital das Clínicas de São Paulo.
Mais uma vez, a ordem é seguir a recomendação diária — no caso, apenas de 50 a 55% das calorias de suas refeições devem vir dos carboidratos. Nessa fração, não entram apenas pães, massas e doces, mas também frutas e verduras. E, vale frisar, a qualidade dos carboidratos eleitos para a sua dieta também pesa. A nutricionista Ana Maria Pita Lottenberg traça o seguinte raciocínio: “Imagine uma pessoa que come só 2 mil calorias diárias, mas seu cardápio é composto de exagerados 65% de carboidratos, e outra que, apesar de balancear os nutrientes conforme a pirâmide, exagera nas garfadas e consome 3 mil calorias. Quem sai prejudicado com o tempo? Os dois”. Isso porque tanto carboidrato demais — ainda que você não extrapole nas calorias — quanto o excesso de comida em geral, quando se obtém mais energia do que o corpo precisa para viver, levam o pâncreas a se matar de produzir insulina. Só esse quadro já pode acarretar numa fome danada. Sim, seu corpo entende a mensagem “preciso de mais insulina” como “preciso de comida”.
Já deu para perceber que os especialistas ouvidos por SAÚDE! não advogam a favor de uma dieta balanceada à toa. O sonho de emagrecer e manter o corpo em forma, que tanta gente compartilha, só se sustenta quando se respeitam as necessidades nutricionais. Restrição calórica, sim — mas sem perder de vista a pirâmide alimentar. Essa é a verdadeira fórmula para brecar um efeito dominó que culminaria num sem-fim de problemas — inclusive nos quilos a mais. Você decide o que vai no seu prato.
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