sábado, 17 de maio de 2008


The New York Times: Defensor da evolução e do espaço para Deus
Cornelia Dean
The New York Times

Para um professor universitário, Francisco J. Ayala passa muito tempo na estrada. Biólogo e geneticista evolutivo na Universidade da Califórnia em Irvine, ele freqüentemente fala em universidades, igrejas e qualquer outro lugar, geralmente em defesa da teoria da evolução e contra argumentos de criacionismo e seu primo ideológico, o design inteligente.Geralmente ele prega para os já convertidos. Mas nem sempre.Enquanto desafios para o ensino da evolução continuam surgindo, os legisladores discutem medidas para equacionar o ensino do criacionismo com liberdade acadêmica e um novo filme liga Darwin ao diabólico, abrangendo desde o fim da liberdade de expressão até o holocausto, "Eu recebo muita gente que não sabe o que pensar", diz Ayala. "Ou eles acreditam em design inteligente, mas querem escutar o que tenho a dizer".

Francisco J. Ayala acredita que a crença na evolução não rejeita a crença em DeusAyala, um ex-padre dominicano, diz a seu público que a evolução é uma bem corroborada teoria científica, mas também que a crença na evolução não rejeita a crença em Deus. Na verdade, diz ele, a evolução "é mais consistente com a crença em um deus pessoal do que com o design inteligente. Se Deus projetou organismos, ele tem muitas contas a prestar".Considere, diz ele, que pelo menos 20% das gravidezes notoriamente terminam em aborto espontâneo. Se isso resulta de anatomia divinamente inspirada, diz Ayala, "Deus é o médico que mais realiza abortos".Ou considere, diz ele, o "sadismo" em parasitas que vivem devorando seus hospedeiros, ou os hábitos de acasalamento de insetos como moscas fêmeas, pequenos mosquitos que fertilizam seus ovos consumindo os genitais de seus parceiros, juntamente com todas suas outras partes.Para as moscas, diz Ayala, isso faz sentido evolutivo. "Se você é um macho e acabou de acasalar, a melhor coisa que pode fazer por seus genes é ser comido". Mas se Deus ou outro agente inteligente fez as coisas dessa maneira de propósito, diz ele, "então ele é um sádico, certamente faz coisas estranhas e é um péssimo engenheiro".Essa também é a mensagem de seu último livro, "Darwin's Gift to Science and Religion" (Joseph Henry Press, 2007). Aqui ele escreve que, como estudante de teologia na Espanha, foi ensinado que a evolução "providenciou a 'ligação que faltava' na explicação da maldade no mundo" - uma defesa da bondade e da onipotência de Deus, apesar da existência do mal."Enquanto dilúvios e secas eram uma conseqüência necessária da construção do mundo físico, predadores e parasitas, disfunções e doenças eram uma conseqüência da evolução da vida", ele escreve. "Eles não eram um resultado de um design deficiente e malévolo".Ayala realiza cerca de 50 palestras por ano, segundo disse numa recente entrevista em Nova York, um dia depois de fazer, no City College, a palestra inaugural em genética de Louis Levine-Gabriella de Beer. (Ele havia palestrado no dia anterior, na Universidade Estadual da Carolina do Norte, sobre a evolução da moralidade, e falaria de novo dois dias depois, na Universidade McGill em Toronto, onde o assunto seria Darwinismo e religião.)Graças a sua eminência - ele é membro da Academia Nacional de Ciências, ex-presidente da Associação Americana para o Avanço da Ciência e ganhador da Medalha Nacional da Ciência -, Ayala "tem um púlpito intimidante", diz Eugenie Scott, que encabeça o Centro Nacional para Educação Científica, um grupo que advoga pelo ensino da evolução e contra o criacionismo em escolas públicas. "Quando Francisco fala, as pessoas ouvem".Mas Ayala disse que outro compromisso proposto, em uma conferência na Crystal Cathedral em Garden Grove, Califórnia, uma igreja com dez mil membros que é a base para o "Hora do Poder", um serviço religioso semanal televisionado, foi cancelado neste ano. Um porta-voz da organização disse que a palestra de Ayala foi cancelada "devido ao overbooking" de palestrantes.Ayala disse que os organizadores do evento queriam ele fosse apresentado por Ben Stein, um escritor (e colunista de negócios do The New York Times) que é a estrela do novo filme anti-evolução, "Expelled", e queria exibir o filme junto com sua palestra."Eu não ligo quem me apresenta", disse Ayala, "mas eu não gostaria que o filme fosse parte da minha apresentação. Eles disseram que não poderiam aceitar minhas condições".Apesar de sua lotada agenda de viagens, ele continua a ensinar, a pesquisar e a publicar, além de trabalhar para a Academia. Ele é um amante da Ópera desde a infância, quando viu "Aida", completa com elefantes, em um parque de Madri. E ele está nos quadros da Opera Pacific e da Pacific Symphony, ambas situadas em Orange County, Califórnia.Mas seu maior interesse, fora da vida acadêmica, é o vinho, especificamente as vinícolas de que ele e sua esposa, Hana, são donos em Sacramento County e San Joaquin County no norte da Califórnia, e onde produzem uvas para muitas produtoras de vinho. Em junho ele dará uma palestra sobre vinho e saúde, mas como um amante de vinho. "Não falarei muito sobre saúde", diz ele.Ayala, 74, nasceu em Madri e estudou teologia na Faculdade Pontifícia de San Esteban em Salamanca antes de vir aos Estados Unidos em 1961, para estudos de graduação em genética em Columbia. De lá ele foi à Universidade Rockefeller, depois para Davis e então para Irvine. Tornou-se um cidadão americano em 1971. Ele e sua esposa, uma ecologista que trabalha para estimular os esforços de conservação de resorts em áreas tropicais, têm dois filhos.Ayala disse ter ficado surpreso com a quantidade de americanos que acredita que a teoria da evolução é contrária à crença em Deus, ou que a teoria é errônea ou até mesmo fraudulenta. (Na verdade, não há um crível desafio científico à teoria como uma explicação para a complexidade e diversidade da vida na Terra).Algumas vezes, diz ele, pessoas vão às suas palestras determinados a desafiá-lo, geralmente citando argumentos criacionistas familiares - que uma parte de corpo como a cauda da bactéria, ou flagelo, é complexa demais para ter surgido através da evolução, ou que cientistas mentiram quando demonstraram que as traças na Inglaterra evoluíram para uma cor mais escura quando a Revolução Industrial cobriu suas árvores nativas com fuligem.Mas ele disse que ainda estava para encontrar um desafio que não pudesse explicar. Quando as pessoas perguntam sobre o flagelo das bactérias, por exemplo, "eu explico que hoje em dia já foi decifrado em grande detalhe como as partes básicas do flagelo evoluíram independentemente e existem independentemente", diz ele.Quanto às traças, ele aceita que, nas famosas fotos ilustrando a descoberta, as traças escuras haviam sido coladas às árvores escuras. Mas a observação de que as traças haviam se tornado mais escuras juntamente com as árvores era real, diz ele. "Para obter uma boa fotografia, nós as colamos", disse. "Não se trata de falsificar a ciência. Isso é algo para facilitar o ensino".E ele descarta o argumento de que só seria justo ensinar os dois lados da controvérsia evolução/criacionismo. "Não ensinamos alquimia junto com química", diz ele. "Não ensinamos bruxaria junto com medicina. Não ensinamos astrologia junto com astronomia".Ele disse ter se entristecido ao ver a adoção da evolução identificada com "ateísmo explícito",como nos livros do biólogo evolucionista Richard Dawkins ou outros escritores da ciência e da fé.Nem a existência e nem a não-existência de Deus são suscetíveis a provas científicas, diz Ayala, e equacionar a ciência com o abandono da religião "encaixa no preconceito" de defensores do design inteligente e outras idéias criacionistas."Ciência e religião se juntam numa esfera de conhecimento sem sobreposição", ele escreve no novo livro. Somente quando as asserções são feitas além de suas legítimas fronteiras é que a teoria evolutiva e a crença religiosa parecem ser antiéticas. É importante que Ayala "não seja um anti-religião", diz Scott, "porque os criacionistas sempre exibem os anti-religião da ciência como se eles falassem por todos os cientistas. Eles claramente não falam por Francisco e muitos outros".No entanto, Ayala não diz se mantém sua fé religiosa. "Eu não quero ser estigmatizado", diz ele. "Nem por um lado e nem pelo outro".

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