Postado por Alysson Muotri
Quem viu a capa da última edição da famosa revista científica “Cell” deve ter se surpreendido ao se deparar com a imagem de um casal romântico, com lábios quase se tocando, sob o luar oriundo de um núcleo celular. A imagem representa recentes avanços obtidos em pesquisas sobre uma forma pouco conhecida de regulação gênica, o “chromosome kissing” — em português, algo como beijos entre cromossomos.
No núcleo celular, os genes estão inseridos em longos trechos de DNA que formam estruturas conhecidas como cromossomos. Esses cromossomos acabam ocupando territórios no núcleo. Em geral, cromossomos ricos em genes ocupam regiões mais centrais e cromossomos pobres em genes, mas ricos em regiões não-codificadoras (o famigerado DNA-lixo), tendem a se encontrar na periferia.
Durante muito tempo acreditou-se que essa estrutura existia para proteger os genes contra agentes causadores de possíveis mutações, como o estresse oxidativo ou mesmo a luz ultravioleta. Hoje se sabe que essa estrutura nuclear não é rígida. Os cromossomos movimentam-se dinamicamente, trocando de posição a toda hora e mesmo formando alças de DNA que invadem territórios alheios.
Essa coreografia molecular sugere que os cromossomos não estão estáticos no núcleo celular, e que os genes podem se aproximar fisicamente, mesmo estando inicialmente longe uns dos outros. Imagine cada cromossomo como um novelo de lã. Como diversos novelos estariam emaranhados no núcleo da célula, é factível pensar que o fio de um novelo possa formar uma alça e interagir com o fio de outro novelo.
Um dos exemplos dessa dança genética parece estar relacionado à escolha dos receptores olfativos. Neurônios responsáveis pelo reconhecimento dos odores devem optar por ativar apenas um dos 1.300 receptores olfativos disponíveis na célula. Só um receptor será ativado por neurônio. Essa ativação parece ser realizada por um trecho de DNA ativador localizado no cromossomo 14, conhecido como elemento H.
O elemento H pode ativar receptores no mesmo cromossomo ou em cromossomos distintos. Entretanto, resultados conflitantes indicam que ele só atuaria no mesmo cromossomo. Discrepâncias à parte, parece que a ativação de alguns receptores depende de uma dobra cromossômica, na qual o elemento H ficaria próximo ao receptor olfativo escolhido.
Esse e outros exemplos contribuíram para a hipótese de que a interação entre cromossomos permitiria a aproximação entre regiões regulatórias e proteínas, favorecendo uma melhor coordenação da regulação da atividade de famílias semelhantes de genes. Voltemos à “Cell”.
Num tour de force molecular, um grupo da Universidade da Califórnia em San Diego (Nunez e colegas, “Cell”, 2008) conseguiu demonstrar a relação entre diferentes cromossomos que contêm genes regulados por estrógeno (o hormônio feminino, também relacionado com o câncer de mama). Para revelar essa associação, o grupo desenvolveu um novo método, chamado de “desconvolução de interações entre DNA por seleção e ligação”. Ao aplicar esse método em células expostas ao estrógeno, o grupo descobriu diversas relações intercromossômicas para o gene que codifica o receptor de estrógeno, a maioria contendo outros genes que são também ativados pelo hormônio.
Apesar de não ficar claro no trabalho como o gene do receptor consegue encontrar as regiões-alvo no genoma, o grupo demonstrou que esse processo acontece de uma forma extremamente eficaz e rápida. Isso porque o fenômeno depende de uma maquinaria motora dentro da célula, que faz com que os cromossomos se movam quando as células são expostas ao estrógeno.
Uma vez que os contatos entre os cromossomos são feitos, ocorre a ativação conjunta de todos os genes estimulados pelo estrógeno. Como numa orquestra, os genes são regidos pela dinâmica dos cromossomos, passando a se “beijar” conforme os contatos são feitos.
Aparentemente, esse beijo acontece em regiões específicas do núcleo. Essas regiões são as mesmas em que o maquinário de splicing, ou “leitura alternativa” de genes, atua (ver a coluna “Versatilidade Genética” onde explico o splicing). Isso revela que esses beijos entre cromossomos estão relacionados com o processamento da informação genética.
A idéia do beijo cromossômico como mecanismo de aproximar genes envolvidos numa mesma resposta celular parece que veio para ficar. Para detalhar todo esse complexo, a biologia molecular vai ter que usar diversos truques para a reconstituição tridimensional de uma célula em atividade. Métodos mais sofisticados serão necessários, e isso vai forçar uma maior interação entre biólogos e outras disciplinas, como a física e matemática. Modelos 3D serão usados para compreender como os cromossomos respondem a estímulos alterados, como no caso do câncer de mama ou durante o desenvolvimento.
No núcleo celular, os genes estão inseridos em longos trechos de DNA que formam estruturas conhecidas como cromossomos. Esses cromossomos acabam ocupando territórios no núcleo. Em geral, cromossomos ricos em genes ocupam regiões mais centrais e cromossomos pobres em genes, mas ricos em regiões não-codificadoras (o famigerado DNA-lixo), tendem a se encontrar na periferia.
Durante muito tempo acreditou-se que essa estrutura existia para proteger os genes contra agentes causadores de possíveis mutações, como o estresse oxidativo ou mesmo a luz ultravioleta. Hoje se sabe que essa estrutura nuclear não é rígida. Os cromossomos movimentam-se dinamicamente, trocando de posição a toda hora e mesmo formando alças de DNA que invadem territórios alheios.
Essa coreografia molecular sugere que os cromossomos não estão estáticos no núcleo celular, e que os genes podem se aproximar fisicamente, mesmo estando inicialmente longe uns dos outros. Imagine cada cromossomo como um novelo de lã. Como diversos novelos estariam emaranhados no núcleo da célula, é factível pensar que o fio de um novelo possa formar uma alça e interagir com o fio de outro novelo.
Um dos exemplos dessa dança genética parece estar relacionado à escolha dos receptores olfativos. Neurônios responsáveis pelo reconhecimento dos odores devem optar por ativar apenas um dos 1.300 receptores olfativos disponíveis na célula. Só um receptor será ativado por neurônio. Essa ativação parece ser realizada por um trecho de DNA ativador localizado no cromossomo 14, conhecido como elemento H.
O elemento H pode ativar receptores no mesmo cromossomo ou em cromossomos distintos. Entretanto, resultados conflitantes indicam que ele só atuaria no mesmo cromossomo. Discrepâncias à parte, parece que a ativação de alguns receptores depende de uma dobra cromossômica, na qual o elemento H ficaria próximo ao receptor olfativo escolhido.
Esse e outros exemplos contribuíram para a hipótese de que a interação entre cromossomos permitiria a aproximação entre regiões regulatórias e proteínas, favorecendo uma melhor coordenação da regulação da atividade de famílias semelhantes de genes. Voltemos à “Cell”.
Num tour de force molecular, um grupo da Universidade da Califórnia em San Diego (Nunez e colegas, “Cell”, 2008) conseguiu demonstrar a relação entre diferentes cromossomos que contêm genes regulados por estrógeno (o hormônio feminino, também relacionado com o câncer de mama). Para revelar essa associação, o grupo desenvolveu um novo método, chamado de “desconvolução de interações entre DNA por seleção e ligação”. Ao aplicar esse método em células expostas ao estrógeno, o grupo descobriu diversas relações intercromossômicas para o gene que codifica o receptor de estrógeno, a maioria contendo outros genes que são também ativados pelo hormônio.
Apesar de não ficar claro no trabalho como o gene do receptor consegue encontrar as regiões-alvo no genoma, o grupo demonstrou que esse processo acontece de uma forma extremamente eficaz e rápida. Isso porque o fenômeno depende de uma maquinaria motora dentro da célula, que faz com que os cromossomos se movam quando as células são expostas ao estrógeno.
Uma vez que os contatos entre os cromossomos são feitos, ocorre a ativação conjunta de todos os genes estimulados pelo estrógeno. Como numa orquestra, os genes são regidos pela dinâmica dos cromossomos, passando a se “beijar” conforme os contatos são feitos.
Aparentemente, esse beijo acontece em regiões específicas do núcleo. Essas regiões são as mesmas em que o maquinário de splicing, ou “leitura alternativa” de genes, atua (ver a coluna “Versatilidade Genética” onde explico o splicing). Isso revela que esses beijos entre cromossomos estão relacionados com o processamento da informação genética.
A idéia do beijo cromossômico como mecanismo de aproximar genes envolvidos numa mesma resposta celular parece que veio para ficar. Para detalhar todo esse complexo, a biologia molecular vai ter que usar diversos truques para a reconstituição tridimensional de uma célula em atividade. Métodos mais sofisticados serão necessários, e isso vai forçar uma maior interação entre biólogos e outras disciplinas, como a física e matemática. Modelos 3D serão usados para compreender como os cromossomos respondem a estímulos alterados, como no caso do câncer de mama ou durante o desenvolvimento.
Nenhum comentário:
Postar um comentário