Mosca drosófila teve papel fundamental no estudo da genética
da Folha Online
No início de século 20, o cientista norte-americano Thomas Hunt Morgan fez uma série de estudos em busca da resposta para um dos grandes problemas científicos daquela época: encontrar os "fatores hereditários" postulados por Gregor Mendel. Ao lado de seus alunos, ele montou uma "sala das moscas", na qual estudou as moscas drosófilas (conhecidas também como moscas-da-fruta) e principalmente as "mutantes". Da "Fly Room", como era chamada a sala, nasceu o primeiro mapa da posição de genes sobre um cromossomo, que deu a Morgan o Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia, de 1933.
Um século depois, as moscas continuam sendo utilizadas em estudos sobre genética. Em 2007, cientistas de 14 países seqüenciaram e compararam o material genético de todas as doze espécies conhecidas de moscas-da-fruta. Este estudo representou um grande avanço nos estudos da evolução, uma vez que a drosófila tem uma organização genômica sofisticada e é muito mais próxima dos humanos do que se pensava antigamente.
O capítulo "Moscas, Bactérias, Ratos e Homens" do livro "O Projeto Genoma Humano", da Publifolha, mostra como os estudos Morgan contribuíram para o desenvolvimento da genética.
Leia abaixo trecho do livro.
*
Tem sido um animalzinho importante para a história da biologia a Drosophila melanogaster, a popular mosca-das-frutas. Há quem pense até que esse inseto de corpo estriado merece, se não uma estátua, ao menos um busto em bronze próximo a algum ponto turístico do vasto continente criado pelos pesquisadores da hereditariedade. A drosófila e seus quatro cromossomos encontraram a fama através do engenho do zoólogo norte-americano Thomas Hunt Morgan. Fontes abalizadas descrevem-no como pioneiro de uma tradição que nascia para a biologia no final do século 19, quando o pesquisador completava sua formação no Laboratório Marítimo da deslumbrante Nápoles. Afirma um de seus continuadores que, na Itália, Morgan aprendeu "a importância de perseguir uma abordagem mais experimental do que descritiva para o estudo da biologia" 3 - justamente a tendência que atinge expressão máxima nesta transição para o século 21. Quando se conta a história da genética, Morgan e a família Drosophila aparecem sempre de mãos dadas. O uso da mosca-das-frutas como modelo experimental é um legado dele tão grande quanto as descobertas que fez ou ajudou a fazer.
da Folha Online
No início de século 20, o cientista norte-americano Thomas Hunt Morgan fez uma série de estudos em busca da resposta para um dos grandes problemas científicos daquela época: encontrar os "fatores hereditários" postulados por Gregor Mendel. Ao lado de seus alunos, ele montou uma "sala das moscas", na qual estudou as moscas drosófilas (conhecidas também como moscas-da-fruta) e principalmente as "mutantes". Da "Fly Room", como era chamada a sala, nasceu o primeiro mapa da posição de genes sobre um cromossomo, que deu a Morgan o Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia, de 1933.
Um século depois, as moscas continuam sendo utilizadas em estudos sobre genética. Em 2007, cientistas de 14 países seqüenciaram e compararam o material genético de todas as doze espécies conhecidas de moscas-da-fruta. Este estudo representou um grande avanço nos estudos da evolução, uma vez que a drosófila tem uma organização genômica sofisticada e é muito mais próxima dos humanos do que se pensava antigamente.
O capítulo "Moscas, Bactérias, Ratos e Homens" do livro "O Projeto Genoma Humano", da Publifolha, mostra como os estudos Morgan contribuíram para o desenvolvimento da genética.
Leia abaixo trecho do livro.
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Tem sido um animalzinho importante para a história da biologia a Drosophila melanogaster, a popular mosca-das-frutas. Há quem pense até que esse inseto de corpo estriado merece, se não uma estátua, ao menos um busto em bronze próximo a algum ponto turístico do vasto continente criado pelos pesquisadores da hereditariedade. A drosófila e seus quatro cromossomos encontraram a fama através do engenho do zoólogo norte-americano Thomas Hunt Morgan. Fontes abalizadas descrevem-no como pioneiro de uma tradição que nascia para a biologia no final do século 19, quando o pesquisador completava sua formação no Laboratório Marítimo da deslumbrante Nápoles. Afirma um de seus continuadores que, na Itália, Morgan aprendeu "a importância de perseguir uma abordagem mais experimental do que descritiva para o estudo da biologia" 3 - justamente a tendência que atinge expressão máxima nesta transição para o século 21. Quando se conta a história da genética, Morgan e a família Drosophila aparecem sempre de mãos dadas. O uso da mosca-das-frutas como modelo experimental é um legado dele tão grande quanto as descobertas que fez ou ajudou a fazer.
Em 1910, Morgan já voltara da Europa e iniciara um período fecundo de 18 anos de trabalho na Universidade de Columbia, em Nova York. Criou o "Fly Room" (Sala das Moscas) em seu laboratório - uma coleção de garrafas de leite tapadas com estopa que servia como criadouro de moscas -; e reuniu em torno de si um grupo de estudantes com quem compartilhou o prazer de se deixar surpreender pelo inesperado dos resultados de seus experimentos. Um desses alunos, Alfred Sturtevant, registrou ter aprendido com Morgan a não evitar se deixar confundir pelas moscas. Do Fly Room de Columbia nasceram as mais importantes concepções da genética depois de Gregor Mendel e antes de James Watson e Francis Crick. As moscas-das-frutas foram as parceiras do grupo; e continuam sendo benquistas pelos cientistas de hoje - como assinala o fato de a espécie estar entre as primeiras a ter o genoma completamente seqüenciado. Drosófilas reproduzem-se depressa - mil ovos por vez, 30 gerações por ano -; é fácil diferenciar o macho da fêmea pelo tamanho e pelo aspecto; ocupam pouco espaço; e mantê-las vivas é barato. Quando Morgan e seus alunos começaram, ainda não havia fundos públicos para a pesquisa; portanto, essa última qualidade revestia-se de um caráter decisivo - bastava ter bananas no laboratório para fazer do Fly Room a residência de uma multidão de moscas.
Morgan e seus colaboradores debruçaram-se sobre as drosófilas em busca da resposta para um dos grandes problemas científicos daquele início do século 20: encontrar os "fatores hereditários" que Mendel postulara para predizer como seria a descendência de ervilhas-de-cheiro de casca rugosa quando cruzadas com ervilhas-de-cheiro de casca lisa; ou que porcentagem de ervilhas amarelas, de talo curto, seria obtida do cruzamento delas com ervilhas verdes, de talo longo, por exemplo. Fazia menos de dez anos que o trabalho do abade austríaco emergira para o conhecimento dos naturalistas, apesar de ter sido publicado em 1866 - e causara sensação.
Morgan começou a criar moscas por duvidar das conclusões de Mendel; buscava entre elas as diferentes, as "mutantes", como se consagrou chamar. Queria seguir a trilha que o método de Mendel abrira para o estudo das relações entre ascendentes e descendentes para desmenti-lo. Confirmou-o amplamente quando encontrou no Fly Room um macho mutante de olhos brancos - olhos vermelhos é o mais comum na espécie. "Casou-o" com uma fêmea de olhos vermelhos; e acompanhou a avenida que lhe abriu o prolífico par, como antes fizera Mendel com as ervilhas-de-cheiro. À aparência dos milhares de descendentes deu tratamento estatístico - à la MendeL. Do brilho dos estudantes e do método, aplicado a centenas de mutantes diferentes de drosófilas, nasceu a demonstração, para além da controvérsia científica, de que os "fatores hereditários" (hoje, diríamos genes) se encontram nos cromossomos; de que há traços - como o olho branco da mosca - cuja herança se liga ao sexo (somente machos têm olhos brancos); de que os fatores ligados a determinadas características dispõem-se linearmente nos cromossomos, em unidades separadas entre si. Dessa última idéia nasceu o primeiro mapa da posição de genes sobre um cromossomo; sem mapas, não haveria genomas completos seqüenciados. A invenção desse primeiro de todos os mapas genéticos deu-se no Fly Room de Morgan, resultado de uma conversa dele com Sturtevant, que tinha então 19 anos - cinco menos que Watson quando participou da concepção da hélice dupla.
Morgan começou a criar moscas por duvidar das conclusões de Mendel; buscava entre elas as diferentes, as "mutantes", como se consagrou chamar. Queria seguir a trilha que o método de Mendel abrira para o estudo das relações entre ascendentes e descendentes para desmenti-lo. Confirmou-o amplamente quando encontrou no Fly Room um macho mutante de olhos brancos - olhos vermelhos é o mais comum na espécie. "Casou-o" com uma fêmea de olhos vermelhos; e acompanhou a avenida que lhe abriu o prolífico par, como antes fizera Mendel com as ervilhas-de-cheiro. À aparência dos milhares de descendentes deu tratamento estatístico - à la MendeL. Do brilho dos estudantes e do método, aplicado a centenas de mutantes diferentes de drosófilas, nasceu a demonstração, para além da controvérsia científica, de que os "fatores hereditários" (hoje, diríamos genes) se encontram nos cromossomos; de que há traços - como o olho branco da mosca - cuja herança se liga ao sexo (somente machos têm olhos brancos); de que os fatores ligados a determinadas características dispõem-se linearmente nos cromossomos, em unidades separadas entre si. Dessa última idéia nasceu o primeiro mapa da posição de genes sobre um cromossomo; sem mapas, não haveria genomas completos seqüenciados. A invenção desse primeiro de todos os mapas genéticos deu-se no Fly Room de Morgan, resultado de uma conversa dele com Sturtevant, que tinha então 19 anos - cinco menos que Watson quando participou da concepção da hélice dupla.
Pelo conjunto da sua contribuição à ciência, Morgan recebeu o Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia, nome oficial do prêmio, de 1933. Dividiu o dinheiro com Sturtevant e outro de seus alunos, Calvin Bridges, que legou para a comunidade dos especialistas em drosófilas o mapa, ainda em uso, da posição de genes nos cromossomos gigantes das glândulas salivares da mosca-das-frutas. Outro aluno de Morgan na Universidade de Columbia, Hermann Joseph Muller, mostrou em 1927 que raios X e raios gama induzem mutações em organismos. Dessa maneira, "foi criada pela primeira vez a possibilidade de influenciar a massa hereditária artificialmente", segundo o discurso de concessão do Nobel de Medicina e Fisiologia. O animal de laboratório que Muller escolheu para fazer seus experimentos era a drosófila, claro. Se algum dia o busto de bronze for erigido em homenagem às bilhões de moscas que, ainda que involuntariamente, tiveram suas vidas e suas proles devotadas à experimentação biológica, alguém poderá providenciar uma inscrição: "Prêmio Nobel (Duas Vezes) por Relevantes Serviços Prestados à Pesquisa Científica".
Toda essa abnegação às exigências do chamado avanço do conhecimento, no entanto, não bastou para que as moscas-das-frutas se mantivessem únicas no topo da preferência dos biólogos da segunda metade do século 20, a partir das descobertas de Linus Pauling, que pôs de pé as proteínas, e de Watson e Crick, que "inventaram" o DNA contemporâneo. Há laboratórios que buscam entender o comportamento delas a partir de seus genes; neles, elas continuam voando, soberanas; mas, depois que a escola de Morgan (como ensinam os que contam hoje a história da moderna biologia) ofereceu a quem veio depois dele onde procurar a "base física" para os postulados genes4 - até ali, segundo os anais do Prêmio Nobel, "o mecanismo da fertilização permanecia misticismo impenetrável"5 -, o foco dos biólogos fechou-se sobre as moléculas presentes no interior das células, do DNA às inúmeras proteínas. Em busca de afastar de vez o "brilho místico" que rondava as unidades de transmissão hereditária de Mendel, esses novos biólogos passaram a trabalhar nos laboratórios com o mundo muito pequeno dos compostos presentes nas bactérias, nos vírus, nos fungos - com seus genomas mais compactos, mais simples, mais manejáveis.
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